A "Vara da Disciplina" na Bíblia: Um Chamado à Orientação

COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA

6/4/20245 min read

Educar filhos é um desafio independente da abordagem que se utilize. No entanto, algumas abordagens tem se valido de interpretações equivocadas, para levar milhões de pessoas, ao longo de várias gerações, a um lugar de erro e sofrimento.

A interpretação de textos bíblicos, como a "vara da disciplina" mencionada em Provérbios, tem sido amplamente debatida. Alguns cristãos acreditam que esses versículos autorizam o uso de punição física na educação dos filhos. No entanto, uma análise contextual mais aprofundada revela que essa interpretação pode não estar alinhada com a essência dos ensinamentos bíblicos. Vamos explorar os contextos que sugerem que a "vara da disciplina" não se refere à violência física.

Contexto Histórico e Cultural

Pra início de conversa, os ensinamentos bíblicos são para transformação pessoal, promovendo amor, paciência, empatia, perdão, compaixão e conexão. E, na sociedade hebraica antiga, a "vara" (hebraico: "shebet") era um símbolo de autoridade e orientação. Ela era usada por pastores para guiar e proteger o rebanho, não para machucar. A vara era um instrumento de correção suave, uma ferramenta de proteção e direcionamento, como podemos ver a seguir:

1. A Função da Vara no Pastoreio

O Salmo 23:4 ilustra o uso da vara como símbolo de conforto e proteção: "Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam."

Isso sugere que a vara é uma ferramenta de cuidado e segurança, não de violência.

2. O Papel dos Pais na Sociedade Hebraica

A disciplina parental na cultura hebraica envolvia ensinar e guiar os filhos para que crescessem como membros responsáveis e éticos da comunidade.

Deuteronômio 6:6-7 enfatiza a instrução contínua e amorosa: "Estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu coração. Tu as ensinarás diligentemente a teus filhos e delas falarás quando estiveres sentado em tua casa, andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te."

Interpretação Figurativa da "Vara"

A "vara da disciplina" nos Provérbios pode ser entendida justamente como uma metáfora para a necessidade de orientação firme e amorosa, o que faz muito sentido dentro do que são os ensinamentos de Cristo com relação ao fruto do espírito (no final do texto).

1. Figuras de Linguagem na Literatura Bíblica:

A Bíblia frequentemente usa metáforas e figuras de linguagem para transmitir verdades espirituais e morais. Por exemplo, Jesus usa a metáfora da videira e dos ramos (João 15:5) para ensinar sobre a conexão com Deus.

Assim, a "vara da disciplina" pode simbolizar a correção e a instrução, não necessariamente o castigo físico.

2. A Sabedoria dos Provérbios:

Os Provérbios são coleções de sabedoria prática, e muitas vezes usam imagens fortes para comunicar a importância da disciplina e da sabedoria.

Provérbios 3:11-12 diz: "Meu filho, não desprezes a disciplina do Senhor, nem te sintas magoado por sua repreensão, pois o Senhor disciplina a quem ama, assim como o pai faz ao filho de quem deseja o bem."

Este versículo destaca o amor e o cuidado na disciplina, reforçando a ideia de orientação e correção amorosa.

Princípios Gerais da Bíblia Sobre o Tratamento dos Filhos

A Bíblia em sua totalidade promove o tratamento respeitoso e amoroso dos filhos.

1. Efésios 6:4: "Pais, não irritem seus filhos; antes, criem-nos segundo a instrução e o conselho do Senhor."

Este versículo enfatiza a instrução positiva e a orientação, desencorajando qualquer forma de tratamento que cause ressentimento ou dano.

2. Colossenses 3:21: "Pais, não exasperem seus filhos, para que eles não fiquem desanimados."

Novamente, a ênfase está em evitar provocar raiva ou desânimo nas crianças, promovendo uma abordagem de educação que fortaleça e encoraje.

Educação Positiva e Disciplina

A interpretação da "vara da disciplina" à luz dos princípios gerais da Bíblia e do contexto histórico e cultural sugere uma abordagem de disciplina que é firmemente baseada no amor, respeito e orientação.

Educação Positiva: Enfatiza métodos de disciplina que são firmes e gentis, como comunicação aberta, respeito mútuo e resolução pacífica de conflitos.

Promove a conexão emocional e a empatia, estabelecendo limites claros sem o uso de punições físicas.

Um Novo Olhar para a Disciplina Bíblica

Antes de mais nada, a educação positiva e os próprios ensinamentos bíblicos são sobre o tratamento pessoal antes de ser sobre o tratamento do próximo. Assim, não faz sentido que a Bíblia fale sobre pacificadores e atos de amor ao mesmo tempo que estimula que adultos, com o triplo do tamanho e da força das crianças, sejam os responsáveis por castigá-las fisicamente. Partindo do princípio que a Bíblia não entra em contradição, temos duas opções: ou a Bíblia estimula que adultos violentem crianças (o que abriria margem para todo tipo de violência) ou precisamos entender que é necessária uma releitura do que aprendemos dentro de um contexto cultural de violência contra a criança.

O Fruto do Espírito e as Obras da Carne

Além disso, ao considerar o fruto do Espírito e as obras da carne descritos em Gálatas 5:19-23, observamos que a raiva faz parte das obras da carne, enquanto a longanimidade é um dos frutos do Espírito.

1. Obras da Carne: "Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçaria, ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções e invejas, embriaguez, orgias e coisas semelhantes."

2. Fruto do Espírito: "Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência (longanimidade), amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio."

Longanimidade significa paciência em suportar ofensas e dificuldades sem ressentimento ou raiva. Portanto, há violência contra a criança quando a raiva toma conta do adulto, mesmo que ele não admita isso. Usar a violência contra crianças, justificando pela Bíblia, é uma afronta à própria Palavra e ao fruto do Espírito que valoriza a longanimidade. Assim, seguir utilizando a violência contra crianças, baseando-se na interpretação literal de "vara da disciplina", contradiz os ensinamentos bíblicos mais amplos de amor, paciência e autocontrole.

Pra Pensar

A verdadeira essência da disciplina bíblica não está em métodos punitivos, mas em práticas de orientação amorosa que refletem o cuidado e a sabedoria de Deus. Como pais e educadores, é essencial refletir sobre como podemos aplicar esses princípios em nosso contexto moderno, promovendo uma educação que respeite a dignidade e o bem-estar das crianças, alinhada com os valores de amor e empatia ensinados na Bíblia.